OS SECURAS


Era uma festa só. De tarde começava, la pelas 15 h00. Multidão de meninos na rua brincando de pipas e papagaios.A rua era um colorido só, e a tarde tão bonita, parecia que pulava unto com a gente e mostrava os dentes amarelos.
A maioria de nós fazíamos pequenas pipas, feitas com papel de caderno ou livros velhos (ou novos, ja que não me importava mesmo com eles até então). E a linha era ou de costurar, ou pegávamos linhas de saco de feira, do tipo que carregava verduras como pimentão ou cebolas, que no caso éramos eu e meus irmãos que tínhamos, já que nosso pai era feirante no Mercado de Sao José. A gente ia desfiando as linhas entrelaçadas do saco e amarrando um nalho no outro, até formar uma linha de uns 20, 30 metros ou mais. Eu empinava mais as chalopas, como chamávamos essas pequenas pipas. Eu adorava. Ficávamos uns 30 garotos empinando chalopas e fazendo trelas com elas a tarde toda. Às vezes ficava presa nos fios, às vezes nos telhados, mas não desistíamos, sempre fazíamos outras.
Quem não gostava nada disso era mãe e pai, pois eles trabalhavam bastante na feira, e a gente vadeando, ou maloqueirando, como mãe dizia. Eu pegava os sacos que meu pai deixava, um dentro do outro, debaixo da cama, ou atrás do guarda-roupa e ia tirar eles para amarar um fio no outro e empinar.Passava horas desfiando, numa paciência de Jó. Depois fazia a chalopa e ia vadiar numa multidão de pirralhos espalhados ao longo da rua,um córrego, para bem dizer. Dos dois lados tinha altos e no final também, de modo que nós morávamos num verdadeiro buraco. 
Todos nós éramos viciados, mas havia aqueles que eram mestres no vício de empinar papagaio. Verdade que eu passava da hora de comer algumas vezes e levava reclamação. Mas havia um cabra lá que não tinha parelha. Era Colopito seu nome. Pense num viciado. Aquele era demais. Passava da hora de almoçar e ele empinando pipa. Meio dia em ponto! O cabra não tava nem aí. A gente almoçava, dormia, lanchava, e ele la empinando. De noite, e ele lá. Pense. Era o pior dos secões, era o nome dado a quem fazia isso, só pensava em pipa. Dizíamos que a pessoa estava com muita secura, adonzelado, pois até para nós havia um limite. Ele era um mestre na arte da dibicada, era o nome dado à maneira da gente conduzir o papagaio no céu, de modo que o levássemos de um lado para o outro. Além do mais ele pegava as pipas que torava. Era um duelo que consistia em passar a pipa com cerol na outra e fazer com que uma se torasse. Muitas vezes ele torava e amparava, fazendo a pipa dele ir em busca da outra solta no céu. Tinha que ser bom pra fazer isso. Colopito era mestre.
Meu negócio era só as chalopas, mesmo porque minha mãe não queria isso. Dizia que isso era negócio de maloqueiro, e eu apesar de passar o dia todo na rua, não era um. Mas eu era um deles.
Muitas vezes pegava os trocados que tinha e comprava linha de costurar das mais fortes para empinar as pipas. Como não tinha onde esconder em casa, por que minha  mãe não admitia, escondia fora de casa. Cansei de perder linha assim, pois um colega sempre olhava onde eu punha a linha e pegava pra ele. Depois que eu me liguei nisso. Fazer o quê?
Isso era todo dia, a semana toda brincando de pipas e  papagaios; e eu só nas chalopas. Algumas vezes era que eu punha umas paletas de pé de côco nelas, de modo que ficasse rígida e parecesse um pouco com uma pipa. Boa diversão aquela.
Ainda hoje tenho vontade de fazer umas pipas. Um dia retorno.

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